11 de fev. de 2010

Tanque cheio de dúvidas

Redução do etanol na gasolina levanta debate sobre o combustível e a eficiência dos motores flex


O etanol voltou à berlinda. Os aumentos sucessivos no preço do combustível e a recente redução da sua incidência na mistura da gasolina brasileira reacenderam o debate em torno do produto. Desde sua proposta de fonte de energia menos nociva ao meio ambiente até a busca por propulsores flex mais eficientes. Afinal, em média, rodar apenas com etanol consome até 30% mais que andar com 100% de gasolina no tanque. E enquanto os propulsores a gasolina já fazem valer alternativas para serem mais econômicos, como injeção direta e downsizing, os motores flex, que hoje somam 9 milhões de veículos no país ou estimados 30% da frota, ainda engatinham na busca por soluções para beberem menos. “Há muitas soluções que já são usadas no exterior. Temos de pegar as alternativas e adequá-las por aqui, talvez na forma de benefícios fiscais para veículos com tais soluções”, sugere Francisco Emílio Baccaro Nigro, assessor técnico da Secretaria de Desenvolvimento do Estado de São Paulo.

Adaptações e incentivos fiscais à parte, a aplicação de injeção direta para motores flex, por exemplo, teria poucos empecilhos à vista. Segundo engenheiros, implicaria na precisão do bico injetor e no tratamento das peças do sistema, uma vez que o etanol é classificado como um combustível mais “seco”. “Acarretaria em um problema de lubrificação, já que a gasolina é mais fluida. Mas basta desenvolver materiais com durabilidade e um injetor que trabalhe com álcool com a mesma precisão que a gasolina”, explica o engenheiro Carlos Henrique Ferreira, consultor técnico da Fiat. Tratamentos e trocas de peças, aliás, que já são feitos nos modelos flex para que possam rodar apenas com etanol.

Na Europa, alguns modelos com injeção direta rodam com o chamado combustível
E85 – que obedece a mistura de até 85% de etanol na gasolina. A diferença básica, porém, é que o etanol puro usado no Brasil recebe 7% de água. Inspeções da ANP – Agência Nacional do Petróleo –, porém, volta e meia autuam estabelecimentos que adulteram o combustível chegando a misturas de até 30% de água. “O etanol brasileiro é muito mais agressivo que o E85. Fica mais difícil trabalhar alguns componentes, como a bomba de alta pressão. É preciso adaptar o sistema para a realidade brasileira”, pondera Fabio Ferreira, diretor do Comitê de Veículos de Passeio da SAE Brasil – Sociedade de Engenheiros da Mobilidade.
Há também o downsizing – motores com menor capacidade volumétrica, turbo e alta eficiência –, recurso bastante utilizado em modelos a gasolina na Europa. Combinado com a injeção direta, pode resultar em um modelo até 15% mais econômico. Por aqui, porém, a realidade mais palpável para os modelos flex são os comandos variáveis de válvulas, já usados em modelos da Toyota, Honda e Nissan. Todos, é claro, preparados para rodar com etanol ou a gasolina brasileira, que está longe de ser pura, apesar de agora receber um pouco menos de álcool anidro: 20%. “Hoje, os flex adotados no Brasil não têm como atender a uma gasolina 100%. Etanol e gasolina têm temperaturas e velocidades de gases e de combustão muito diferentes”, ressalta Alfredo Guedes, engenheiro do Departamento de Relações Institucionais da Honda – ou seja, um carro flex brasileiro não poderia rodar bem na Argentina, à exceção do Siena Tetrafuel.

Já essa “nova mistura” da gasolina não alterou em nada a vida dos modelos movidos somente a gasolina no país, como os importados da Europa e Ásia e alguns exemplares nacionais específicos, como Honda Civic Si e Fiat Linea e Punto T-Jet. É que todos os modelos flex no país são ajustados para trabalhar com E22, ou seja, com 22% de etanol na gasolina. Só que o mapeamento da injeção eletrônica dos modelos flex possui uma espécie de margem de erro, que vai dos 20% a 25% de aplicação do combustível vegetal dentro do fóssil. “Sob o ponto de vista energético, poderia ter melhora de consumo. Pode ser que fique mais econômico entre 1,5% e 2%, pouco perceptível e em teoria, pois depende muito do uso do veículo”, compara Fábio Ferreira, da SAE Brasil.

Instantâneas

# O primeiro modelo flex a ser vendido no Brasil foi o Volkswagen Gol TotalFlex, em abril de 2003.

# Atualmente, 90% de todos os carros vendidos no país usa motor flex.
# A medida que reduz o percentual de etanol na gasolina perdura até março próximo.
# Um carro a etanol polui, em média, 30% a menos que um carro a gasolina.
# Uma das grandes vantagens do etanol é que ele é considerado carbono zero. A emissão que ocorre na queima é compensada pelo processo de cultivo.

Ponta do lápis

O aumento do preço do etanol tornou a gasolina mais “vantajosa” em praticamente todo o país. Segundo estudo da Ticket Car, divisão do Grupo Ticket, em janeiro, abastecer com álcool compensou apenas em três estados: Mato Grosso, Pernambuco e Goiás. Desde dezembro, o combustível vegetal já acumula altas de mais de 30% e hoje tem um preço médio de R$ 2,011 o litro no mercado brasileiro. Os fatores na alta do combustível são vários, segundo os economistas. Mas os principais são a demanda crescente de modelos flex e o açúcar, que, como commodity, valorizou-se no mercado internacional após um ano ainda abalado pela crise financeira.

A redução de etanol na gasolina, aliás, foi a alternativa encontrada pelo Governo Federal para tentar frear os sucessivos aumentos. “Em um momento como esse é que faz falta um sistema de estocagem para regular as oscilações de mercado muito fortes do etanol”, sugere Julio Gomes de Almeida, consultor do Iedi, Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial. Mas a gasolina também deve aumentar com a nova mistura e se distanciar do preço do etanol. Segundo a Fecombustíveis – Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes –, postos em todo o país estão sendo comunicados pelas distribuidoras de que novas elevações nos preços da gasolina devem ocorrer nos próximos dias.

Mesmo assim, os especialistas refutam um cenário como o de 1990, quando houve uma crise no abastecimento de etanol e o combustível sumiu dos postos. “As empresas do setor hoje estão bem mais fortes, com capacidade de oferta potencializada e uma capacidade financeira que rateou no momento da crise, mas que já foi superado”, acredita Julio, do Iedi.

Fernando Miragaya

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