Perder o medo de dirigir é conquistar um lugar, isto é, incomodar
Logo no início da vida, um dos fatos geradores de angústia – segundo Sigmund Freud, o pai da psicanálise – é perceber que não somos o único objeto de desejo da mãe. Pai, irmãos, novela das oito, qualquer coisa que desvie a atenção dela de nós é visto como um inimigo potencial. Crescemos, estudamos, aprendemos como as coisas funcionam, mas, pelo comportamento apresentado pela maioria das pessoas, pode-se dizer que essa história de perder a condição de único e mais especial ser ocupando o planeta não foi bem dirigida. Boa prova disso, claro, é o trânsito. Portanto, quem está disposto a perder o medo de dirigir deve preparar-se para perder também o medo da cara feira e do choro (disfarçado de buzina) de alguns mimados que não vão querer dividir as ruas dele com você.
Essa percepção ficou clara no desafio de hoje da série Coragem de Dirigir (veja abaixo). Realizado em um Gol com os dizeres “motorista em treinamento” e na companhia de Fabiana Saghi, terapeuta da Clínica Escola Cecília Bellina, o objetivo era “só” dar continuidade ao treinamento de olhar nos espelhos laterais para mudar de faixa e encarar um trecho da Marginal, mas o aprendizado veio também por outras vias. Minha redução de marcha melhorou consideravelmente, mas ainda fico ansiosa e muito tensa com a falta de domínio do câmbio manual. Deixar o carro morrer ou demorar mais do que três segundos (tempo intolerável para um paulista) para sair do lugar me fazem suar frio. Além da técnica, o pronto apoio psicológico nesses momentos é o que dá força para não desistir.
Perder o medo de dirigir é também aprender a errar
Depois de sair com o carro, eu ainda tentava me acostumar ao câmbio quando, após três lentos segundos para sair do lugar, o motorista de trás mandou logo duas buzinadas (choro) impacientes. A minha frente, a pista continuava parada. Nervosa, olhei pelo retrovisor e, com mãos e palavras, perguntei: “o que você quer que eu faça, meu filho?”. E poderia bem, como desenvolvi acima, completar: “o que você quer que eu faça, meu filho, há outras coisas no mundo além de você”.
O desafio do dia era mesmo dar-me o direito de existir, com ou sem erros. No farol seguinte, um vendedor de balas – daqueles que usam seu retrovisor como balcão – teve um surto ao ler que se tratava de um “motorista em treinamento”. Caminhou na minha direção e, repetidas vezes, gritou: “tranca-rua, tranca-rua, tranca-rua”.
Apesar da raiva, tive de admitir que aquele infeliz manifestava exatamente meu estado de espírito. Como iniciante, minha sensação era de estar trancando o caminho dos outros motoristas, principalmente o dos reizinhos recalcados. Mas a hostilidade do homem me acordou para o fato de que eu, tanto quanto os outros, tinha o direito de estar ali. Aliás, ao estar em treinamento, faço um enorme bem à saúde do trânsito. A maioria dos motoristas sabe que é impossível estar apto a dirigir apenas com as aulas da autoescola.
A terapeuta me disse que a Clínica Escola Cecília Bellina tem o projeto de fazer diferentes adesivos para os carros de treinamento, algo como: “amaciando o motor”, “freio para animais” etc. Depois de minha última aula, estou planejando colocar um com os seguintes dizeres no meu carro:
“Você que já nasceu sabendo dirigir, me desculpe: eu preciso treinar um pouco mais”.
Apoio: Clínica Escola Cecília Bellina: www.ceciliabellina.com.br
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